Semana On

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Getúlio: 1882-1930. Dos anos de formação à conquista do poder – Lira Neto



Quando assumiu a presidência em 1º de janeiro de 1995, Fernando Henrique Cardoso referiu-se ao legado do Getulismo como algo que “atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade brasileira”. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, no caminho inverso, franqueou a Getúlio Vargas a inscrição no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília.

Pode-se atribuir muitas coisas a Getúlio Vargas, mas a pecha de democrata não lhe assenta bem. Adepto de primeira hora do positivismo de Auguste Comte, que norteou a política gaúcha desde fins do século 19 até o início do século seguinte, e que tinha em Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros seus interpretes máximos no sul do país, Vargas foi sempre um entusiasta de governos fortes, oposições quietas, legislativos submissos e imprensa acabrestada.

Na década de 20, travou contato com o pensamento do sociólogo fluminense Francisco José de Oliveira Viana, que seria o maior ideólogo do Estado Novo, e que, em sua obra “Populações Meridionais do Brasil” propunha a construção de um Estado forte, centralizado, um “governo poderoso, dominador, unitário, incontrastável”, capaz de consolidar o conceito de nacionalidade brasileira e de fustigar o poderio dos caudilhos regionais. Este governo, segundo Viana, dependeria de estadistas de temperamento frio e calculista, “reacionários audazes”, com coragem bastante para  se contrapor, de modo ostensivo, às ideias liberais. Uma luva para as rechonchudas mãos de Vargas?

Uma identificação com o fascismo de Mussolini – e seu direito corporativo que tutelava as relações de capital e trabalho ao Estado, fechando jornais, controlando sindicatos e entidades patronais - foi uma consequência óbvia, externada abertamente por Getúlio em diversas oportunidades registradas pela história.

Mas, diante do confronto entre uma aristocracia politicamente falida e um saco de gatos formado por liberais, outros aristocratas e tenentistas autoritários dificilmente se preveria que Getúlio Vargas pudesse, em detrimento de outras forças políticas e dos militares, ascender da Revolução de 30 com poderes ditatoriais.

Talvez nenhum momento defina mais o político Getúlio – e as características que permitiram a ele alçar-se entre os demais - do que um trecho de uma conversa sua com o filho mais velho, Lutero: “Vencer não é esmagar ou abater pela força todos os obstáculos que encontramos – vencer é adaptar-se. Adaptar-se não é o conformismo, o servilismo ou a humilhação; adaptar-se quer dizer tomar a coloração do ambiente para melhor lutar”.

Sua chegada à presidência, como desfecho da Revolução de 30, foi fruto desta estratégia camaleônica, e também de uma série de circunstâncias históricas combinadas e habilmente conduzidas por um tremendo senso de oportunidade e um inacreditável talento para conjugar a dissimulação, o estratagema e a prudência.

Como consequência, os brasileiros seriam submetidos a um período de quinze anos ininterruptos sob o comando de um só homem. Neste intervalo, Getúlio ajudaria a construir mudanças essenciais na economia, na sociedade e na política nacional. Tais transformações agiriam também sobre a trajetória do próprio Getúlio, expondo suas contradições e ambivalências.

De 1930 a 1945, as intolerâncias, violências e perseguições do regime getulista deixariam marcas traumáticas da vida do país. Mas, esse mesmo intervalo de tempo também serviria para arrancar o Brasil de uma condição essencialmente agrária, transformando-o em uma nação com aspirações urbanas e industriais que não eram alvo da revolução.

O arcabouço desta fase efervescente do Brasil é tecido magistralmente no livro “Getúlio: 1882-1930. Dos anos de formação à conquista do poder”, primeiro volume da trilogia que o jornalista e escritor Lira Neto publicou pela Companhia das Letras e cuja leitura terminei há pouco.

O autor, que já teve o talento reconhecido em outras biografias premiadas, faz um apanhado detalhado da trajetória de Vargas, oferecendo uma visão de fundo jornalístico a uma personalidade chave da história brasileira cuja vida já foi alvo de hagiografias e de desconstruções literárias patrocinadas por desafetos ideológicos.
 
A obra de Lira Neto prevê três volumes organizados de forma cronológica. O primeiro tomo abrange o percurso de Vargas desde o nascimento – e seus antecedentes familiares – até a chegada ao poder, em 1930, estendendo-se ligeiramente, no prólogo, aos primeiros meses de 1931. O segundo (que já está nas livrarias) versa sobre os quinze anos subsequentes, até 1945, cobrindo o primeiro período da chamada Era Vargas, destacando-se aí a ditadura do Estado Novo. O terceiro e último volume bordará o “exílio” de Getúlio em São Borja após sua derrubada pelos militares e a volta à presidência pelo voto popular, chegando ao trágico desfecho de agosto de 1954.

Sem comentários: